Já os jovens de 16 e 23 anos, um total de 702 entrevistados, ao serem questionados sobre já terem recebidos pela internet ou celular fotos de colegas e/ou amigos sem roupa ou exibindo partes íntimas do corpo, 32% afirmaram já terem recebido esse tipo de conteúdo uma ou mais de cinco vezes. Perguntados se já publicaram, pela internet ou celular, fotos suas sem roupa ou exibindo partes íntimas do corpo, 8% disseram sim um ou mais de cinco vezes. Já o restante, 92%, disseram não ou nunca.
O caso recente da adolescente Júlia Rebeca, que se matou depois de ter seu vídeo íntimo divulgado na internet como vingança pelo término de uma relação, não é isolado. Uma aluna de letras da USP denunciou recentemente o ex-namorado por colocar imagens íntimas suas na web e ainda ameaçá-la de morte após o fim do namoro. Outro caso, o da menina Fran, teve o vídeo compartilhado dezenas de vezes através de um aplicativo de celular (WhatsApp) e o problema aumentou porque ela foi identificada e teve seu perfil em rede social e número de telefone divulgados. Basta uma rápida pesquisa no Google e outros casos semelhantes pipocam na tela.
Essa vingança em divulgar o que antes era apenas íntimo ao casal já até ganhou um nome: trata-se do 'revenge porn', algo como pornô vingança. A prática pode ser classificada também como 'sextorção', termo derivado do sexting, resultante da união das palavras 'sex' e 'texting', e utilizado inicialmente para denominar a prática segundo a qual se enviavam mensagens de texto por meio do telefone móvel (texting) com conteúdo picante ou excitante.
Só que, hoje, o sexting passou a incluir fotografias ou vídeos de conteúdo erótico e pornográfico que são enviadas por meio de telefones celulares e smartphones. Como ocorria originalmente com a mensagem, a imagem é produzida pelo remetente fotografando ou gravando seu próprio corpo, e o destinatário pode ser o seu parceiro sentimental ou então alguém com que queira manter um flerte ou paquerar.
Independente da nomenclatura, o mecanismo é o mesmo: alguém, conhecido ou não, ameaça a quem protagoniza a imagem de torná-la pública ou enviá-la a outras pessoas caso não cumpra suas exigências. Trata-se, portanto, de extorsão ou chantagem. É um fenômeno que afeta, sobretudo, mulheres.
'São vítimas dessa nova prática que, frequentemente, serve para exercer a violência sexual quando o exigido é a concessão de novas imagens íntimas, a manutenção de relações sexuais etc. Em outras ocasiões, atua como garantia para forçar o início de uma relação ou para evitar seu rompimento', explica Jorge Flores Fernández, licenciado em informática e fundador e diretor da 'PantallasAmigas', uma organização que busca promover o uso seguro de tecnologias da informação.
Se a imagem comprometedora se torna de domínio público, pode desencadear uma reação injustificada de instigamento ou chacota em relação a quem a protagoniza. Isso ocorre quando a imagem chega ao conhecimento do meio em que a vítima vive ou então quando esta é uma pessoa pública e conhecida. Esse linchamento coletivo, além de humilhar a vítima, enfatiza e faz perdurar essa ação, da qual, a essas alturas, certamente ela deseja esquecer. Trata-se de um assédio reiterado e premeditado que se realiza no contexto digital.
'O trabalho de prevenção está diretamente ligado à conscientização sobre os riscos que se assumem, as responsabilidades e as consequências. Existem algumas questões chave nas quais se pode e deve trabalhar para que a decisão a respeito do 'sexting' seja tomada de forma consciente', explica Jorge no livro.
O especialista em crimes digitais, Wanderson Castilho, explica que, em dois ou três dias, a chance de remover o conteúdo indevido nos sites é de quase 100%, mas isso não garante que não possa ser postado novamente. 'O perito vai trabalhar 24h para remover o conteúdo. Muitos blogs não colocam contato nem nome. Vão só postando as imagens. Esses são mais difíceis na hora dos pedidos judiciais de remoção de conteúdos. Mas há trabalhos de investigação onde é possível investigar esses blogs', conta o perito.
'Tenho mais de 1500 crimes eletrônicos resolvidos e, desse número, quase 200 casos de vídeos ou fotos íntimas publicadas sem autorização. Chega para mim de dois a três casos por semana. Dos últimos dois anos para cá, isso triplicou. Já trabalhei com mulheres na faixa etária de 65 anos. Essas mulheres acabam se envolvendo pela internet e mantendo relações virtuais. E elas são registradas nesse momento', conta Wanderson.
Para Márcio Cots, advogado especialista em Direito Digital, os tribunais têm enquadrado essa prática nos crimes de injúria e difamação. 'O tratamento jurídico reconhece que o fato de um dos casais ou uma das pessoas ou até mesmo um terceiro, que venha ter acesso a esse vídeo, e disponibilize a um grupo de pessoas ou na internet, ele pode incorrer na prática de dois crimes: injúria e difamação. Isto é o que a jurisprudência vem reconhecendo, mas muito mais a injúria do que a difamação', explica Márcio.
Mas, destaca o advogado, cada ação que for acrescentada à situação pode caracterizar crimes diferentes. 'O fato de simplesmente vazar o vídeo sem autorização, muito mais pelo intuito de causar dano à imagem da pessoa, à honra dela, este crime é tipificado como injúria ou difamação. Agora, se há outros objetivos por trás do vazamento, de não apenas denegrir a imagem, mas também um caso de chantagem para que o vídeo não seja exposto, aí também pode ser considerada extorsão', opina.
O problema é que, além do linchamento e humilhação que acontece na internet, ainda não há uma lei específica para enquadrar esses tipos de crimes. Mas esse cenário pode mudar. Já tramita no Congresso o projeto de lei 5555/2013 que prevê que os crimes de violação da intimidade da mulher praticados na internet, através da divulgação de vídeos, áudios, imagens, dados e informações pessoais, sem o devido consentimento, sejam enquadrados na Lei Maria da Penha.
Pelo projeto de lei, o juiz vai ordenar ao provedor de serviço de e-mail, perfil de rede social, de hospedagem de site ou blog, de telefonia móvel ou qualquer outro prestador do serviço de propagação de informação, que remova no prazo de 24 horas o conteúdo que viola a intimidade da mulher.
Outro projeto de lei (6630/2013), apresentado pelo deputado federal Romário, tem como destaque as punições para quem divulgou as imagens íntimas da vítima na internet e as indenizações que devem cobrir desde as despesas com psicólogo. Outra lei, a chamada de Lei Carolina Dieckmann, até torna crime a invasão a aparelhos eletrônicos para a obtenção de dados particulares sem autorização, mas não versa sobre a publicação de conteúdos pornográficos na rede.
Se você foi teve um vídeo ou foto íntima divulgada na internet, a dica do especialista em crimes digitais é ir imediatamente ao cartório com o link onde se encontra a foto ou vídeo divulgado e fazer uma 'ata notarial', uma certidão emitida pelo cartório dizendo que o que está no documento é verdadeiro.
'Porque depois, se o material o for apagado, ela tem como recorrer à Justiça e essa ata vale como prova material. E é indiscutível porque o cartório tem fé pública, o que é bem diferente dela mandar apenas imprimir. É uma ferramenta importante para identificar quem postou aquilo e essa pessoa responder na Justiça', explica Wanderson. A segunda coisa é a ida à delegacia e fazer um boletim de ocorrência.
O advogado Márcio Cots recomenda duas coisas: buscar provas e tentar buscar a autoria de quem vazou o material. Primeiro é preciso fazer uma investigação para se comprovar a materialidade e a autoria. Comprovado isso, é um trâmite de um processo judiciário para, no mínimo, caracterizar injúria e difamação, ligados simplesmente ao vazamento. Mas, se tiver outros interesses no vazamento, como a chantagem, podem se caracterizar outros crimes.
'O fato é que, às vezes, a pessoa não tem meios para fazer isso. Então, ela vai ter que se valer de uma delegacia para que se faça a investigação e o levantamento das informações. Quando você procura um escritório especializado, ele já tenta levantar essas informações antes de ir a delegacia para chegar meio que com o prato feito para o delegado', opina o especialista em Direito Digital.
Há situações em que a pessoa disponibiliza o vídeo para se vangloriar. O objetivo da pessoa não é nem denegrir a imagem da pessoa. 'Temos um caso que ficou muito claro no escritório. A ideia não era a de que ele odiava a ex-namorada, não era de denegrir a imagem, muito menos fazer extorsão. Ele queria muito mais se vangloriar naquela situação. Isso não deixa de ser crime porque não deixa de denegrir a imagem dessa pessoa. Então, as motivações são diferentes', relata Márcio.
Na hora de praticar o sexting, uma das dicas da ONG SaferNet Brasil é jamais se deixar levar por pressões para produzir ou publicar imagens sensuais. Pense muito bem antes de publicar. Não há nada de errado em falar e discutir sobre sexualidade. O erro é não se proteger e não se informar sobre como manter relações saudáveis dentro e fora do ciberespaço.
Pais devem dialogar com seus filhos para conhecer o que fazem online e orientá-los. Os valores e limites de sua família precisam ser discutidos também em relação aos comportamentos online. Converse com seus filhos sobre as noções de privacidade e de comportamento de risco para construir limites como proteção e não como proibição.
Quando se realiza 'sexting', sempre há uma pessoa, com suas circunstâncias particulares, do outro lado do envio, de quem se passa a depender. Pode acontecer, inclusive, que esse alguém seja um impostor ou suplantador. Uma vez enviada a imagem, o que virá a ocorrer com ela deixa de estar em nossas mãos de forma exclusiva.
As imagens ou vídeos são arquivos digitais aos quais se pode ter acesso de duas maneiras, em função de onde estejam armazenados. Se estão online, na nuvem, o acesso se realiza em geral mediante uma chave de acesso ao serviço de internet onde estão alojadas. Se estão armazenadas em um dispositivo físico como memoria externa, computador, telefone móvel etc, além do fato de que o próprio dispositivo pode cair em outras mãos, há que se evitar que seja acessado mediante software se está conectado a redes de trabalho ou a internet.
É preciso lembrar que os dispositivos eletrônicos podem ser postos em mãos de outras pessoas para sua manutenção ou reparo e que, nesses casos, podem haver abusos que atentem contra a privacidade da informação neles contida.
Não existe sexting seguro a não ser que na imagem não se possa conhecer de nenhuma maneira a identidade de quem aparecer nela. Manter o anonimato não é tão fácil como parece: deve-se evitar incluir o rosto, aspectos diferenciadores do corpo como manchas na pele, piercing, tatuagens, roupa, adornos ou ambiente que permitam identificar a pessoa.
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